quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

Um discurso sobre as ciências

Fichamento de Transcrição e Resumo

SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as ciênciased. São Paulo: Cortez, 2010.  (texto disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ea/v2n2/v2n2a07.pdf. Acesso em: Jan 2018.)

Um discurso sobre as ciências

“[...] histórico das ciências desde o paradigma dominante na modernidade, passando pela sua crise, até chegar ao período de transição em que vivemos, quando emerge um novo paradigma.
O paradigma dominante, reserva pela teoria representacional da verdade, privilegia as explicações científicas, apresentando diferença entre a ciências naturais e humanas, desconsiderando os fatores intrínsecos,  sendo originário portanto da transição paradigmática, que leva ao questionamento e à transformação científica.
[...] contribuíram para a crise do paradigma dominante: 1. a revolução científica iniciada com Einstein e sua teoria da relatividade (importa salientar que Einstein relativizou as leis de Newton, consideradas até então como intocáveis, no domínio da astrofísica); 2. a mecânica quântica (relativizou as leis de Newton no domínio da microfísica, com Heisenberg e Bohr); 3. o rigor da matemática (nesse contexto, importa destacar as investigações de Gödel, com o teorema da incompletude e os teoremas sobre a impossibilidade); 4. o avanço do conhecimento nas áreas da microfísica, química e biologia na segunda metade do século 20.
[...] salienta dois efeitos principais oriundos da industrialização da ciência, quais sejam, a estratificação da sociedade científica, com a proletarização de inúmeros cientistas, e a investigação capital-intensivista, que tornou impossível o livre-acesso a equipamentos, aumentando o fosso de desenvolvimento científico entre países ricos e pobres.
No paradigma emergente, o autor propõe que o “paradigma de um conhecimento prudente para uma vida decente” (Santos, 2010, p. 7)[...] não é apenas um paradigma científico de conhecimento prudente, mas também um paradigma social de vida decente, tendo em vista que a revolução científica ocorre em uma sociedade revolucionada pela ciência.
Em todo o conhecimento científico-natural é científico-social, pressupõe evidênciar os conceitos de ser humano, cultura e sociedade [...] O conhecimento do paradigma emergente tende assim a ser um conhecimento não dualista, um conhecimento que se funda na superação das distinções tão familiares e óbvias que até há pouco considerávamos insubstituíveis, tais como natureza/cultura, natural/artificial, vivo/inanimado, mente/matéria, observador/observado, subjetivo/objetivo, coletivo/individual, animal/pessoa. Este relativo colapso das distinções dicotômicas repercute-se nas disciplinas científicas que sobre elas se fundaram, assim a inteligibilidade da natureza é presidida por conceitos, teorias, metáforas e analogias das ciências sociais, na tentativa, inclusive, de aproximar as ciências da humanidade. [...]
No conceito de que todo conhecimento é local e total, o conhecimento é tanto mais rigoroso quanto mais restrito é o objeto sobre que incide pois, o seu rigor aumenta na proporção direta da arbitrariedade com que espartilha o real [...] conhecimento total, tem como horizonte a totalidade universal de que fala Wigner ou a totalidade indivisa de que fala Bohm. Mas sendo total, é também local. Constitui-se em redor de temas que em dado momento são adotados por comunidades interpretativas concretas como projetos de vida local, portanto, ao ser total, não é determinístico e, ao ser local, não é descritivista. É um conhecimento sobre as condições de possibilidade. As condições de possibilidade da ação humana projetada no mundo a partir de um espaço-tempo local,  constitui-se a partir de uma pluralidade metodológica.[...]
Todo o conhecimento é autoconhecimento
[...] A distinção epistemológica entre sujeito e objeto teve de se articular metodologicamente com a distância empírica entre sujeito e objeto, assim todo ato de conhecer é um autoconhecimento.
Quanto  todo conhecimento científico visa a se constituir em senso comum,  trata de que enquanto a ciência moderna constrói conhecimentos e desconhecimentos, a ciência pós-moderna sabe que nenhuma forma de conhecimento é, em si mesma, racional; só a configuração de todas elas é racional.[...] A ciência pós-moderna procura reabilitar o senso comum por reconhecer nesta forma de conhecimento algumas virtualidades para enriquecer a nossa relação com o mundo. É certo que o conhecimento do senso comum tende a ser um conhecimento mistificado e mistificador mas, apesar disso e apesar de ser conservador, tem uma dimensão utópica e libertadora que pode ser ampliada através do diálogo com o conhecimento científico. Essa dimensão aflora em algumas das características do conhecimento do senso comum. [...]O senso comum é prático e pragmático; reproduz-se colado às trajetórias e às experiências de vida de um dado grupo social e nessa correspondência se afirma fiável e securizante. O senso comum é transparente e evidente; desconfia da opacidade dos objetivos tecnológicos e do esoterismo do conhecimento que os projeta em nome do princípio da igualdade do acesso ao discurso, à competência cognitiva e à competência lingüistica. O senso comum é superficial porque desdenha das estruturas que estão para além da consciência, mas, por isso mesmo, é exímio em captar a profundidade horizontal das relações conscientes entre pessoas e entre pessoas e coisas. O senso comum é indisciplinar e imetódico; não resulta de uma prática especificamente orientada para o produzir; reproduz-se espontaneamente no suceder quotidiano da vida. O senso comum aceita o que existe tal como existe; privilegia a ação que não produza rupturas significativas no real. Por último, o senso comum é retórico e metafórico; não ensina, persuade. [...] A ciência pós-moderna, ao sensocomunizar-se, não despreza o conhecimento que produz tecnologia, mas entende que, tal como o conhecimento se deve traduzir em autoconhecimento, o desenvolvimento tecnológico deve traduzir-se em sabedoria de vida.[...]”

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